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13/12/2019

Da impossibilidade de liquidação da Carta de Fiança e do Seguro Garantia oferecidos em Execução Fiscal antes do trânsito em julgado da discussão

13/12/2019

O crédito tributário definitivamente constituído, seja por meio de declaração do contribuinte ou por meio de lançamento de ofício pela autoridade administrativa[i], regularmente inscrito em dívida ativa, nos termos do arts. 201 ao 204 do CTN, goza de presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituida[ii], sendo que a Certidão de Dívida Ativa é título executivo extrajudicial nos termos do Código de Processo Civil[iii].

Para cobrança do débito inscrito em dívida ativa, portanto, a Fazenda Pública dispõe do ajuizamento da Execução Fiscal, nos termos da Lei nº 6.830/80,  que pode ser discutida pelo Executado por meio de Exceção de Pré-Executividade, que é “fruto de construção doutrinária, amplamente aceita pela jurisprudência[iv], limitada aos casos que não demandam dilação probatória ou em questões que o juiz possa conhecer de ofício[v], ou, mais comumente utilizado, por meio dos Embargos à Execução Fiscal, sendo exigido nesse caso o oferecimento de garantia que, nos termos do art. 16, parágrafo 1º, da Lei nº 6.830 (“LEF”), pode consistir em i) depósito em dinheiro; ii) oferecimento de fiança bancária ou seguro garantia (este último com o advento da Lei nº 13.043/2014[vi]); iii) bens móveis e imóveis, observada a ordem do artigo 11 da LEF; ou iv) bens oferecidos por terceiros, desde que aceitos pela Fazenda Pública.

Nesta toada, alguns contribuintes optam por oferecer Carta de Fiança ou, principalmente em razão dos custos, Seguro Garantia, até porque “a fiança bancária e o seguro garantia judicial produzem os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro para fins de garantir o juízo[vii].

No entanto, em casos de Embargos à Execução Fiscal recebidos sem efeito suspensivo, ou até mesmo diante de sentença de improcedência com recurso de Apelação recebido unicamente no efeito devolutivo, tem sido cada vez mais comum a postulação pelas Procuradorias pela liquidação do Seguro Garantia ou da Carta de Fiança anteriormente ao trânsito em julgado.

A justificativa do pedido tem sido o fato de que somente o levantamento do dinheiro depositado é que deve aguardar o trânsito em julgado, nos termos do art. 32, parágrafo 2º, da LEF. Ou seja, em caso de Embargos à Execução Fiscal sem efeito suspensivo, ou de apelação recebida apenas no efeito devolutivo, seria possível à liquidação da garantia, sendo que o montante do débito ficaria depositado em juízo aguardando o trânsito em julgado.

Veja-se, equivocada a interpretação acima, isso porque não há exigência na lei para liquidação da garantia antes do final da discussão promovida. Ainda, Portaria (ou qualquer ato infralegal) que determine Cláusula nesse sentido de cobrança anteriormente ao trânsito em julgado vai além do que está na lei e não cumpre o seu dever de operacionalizá-la[viii].

O que há, de fato, pela legislação é uma equiparação da Fiança Bancária e do Seguro Garantia ao depósito em dinheiro, uma vez que “em qualquer fase do processo, será deferido pelo Juiz(…), a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, conforme art. 15, caput e  II, da LEF, referendado por precedente da 1ª Turma do STJ[ix], segundo o qual da “leitura sistemática da Lei n.º 6.830/80 aponta que o legislador equiparou a fiança bancária ao depósito judicial como forma de garantia da execução”, tendo em vista que “são institutos de liquidação célere e que trazem segurança para satisfação do interesse do credor”, concluindo que “o levantamento da fiança bancária oferecida como garantia da execução fiscal também fica condicionado ao trânsito em julgado da respectiva ação”.

Isto é, o legislador, verificando a onerosidade do depósito em dinheiro para garantia das execuções fiscais, assim como na falta de prejuízo ao credor em virtude da idoneidade e liquidez das instituições financeiras e das seguradoras, equiparou o depósito em dinheiro à Carta de Fiança e ao Seguro Garantia, conforme se verifica do voto condutor da lavra do Ministro Herman Benjamin, na Medida Cautelar nº 17.015/SP, abaixo reproduzida no ponto:

A possibilidade de substituição do depósito em dinheiro por medidas alternativas de caução, como é o caso da fiança bancária ou do seguro garantia, tem sido uma tendência observada na legislação brasileira e revelada por dispositivos do novo Código de Processo Civil (Lei n. 10.135/15), como os Arts. 533, §2º; 835, §2º e 848, parágrafo único. A opção do legislador em prestigiar a fiança bancária como medida alternativa ao depósito em dinheiro se justifica por representar, por um lado, mecanismo de menor onerosidade ao devedor, especialmente no curso de demandas judiciais em que a matéria litigiosa não está definitivamente resolvida. Todavia, não há prejuízo quanto à eficácia da garantia e à tutela do crédito, uma vez que se trata de mecanismo que atende aos parâmetros do que se denomina garantia ideal.”

Portanto, a liquidação da garantia, em virtude do não recebimento do Embargos à Execução Fiscal ou da Apelação com efeito suspensivo, além de afrontar o princípio da separação dos poderes e o princípio da menor onerosidade ao executado, seja porque o legislador não permitiu expressamente a referida liquidação antes do trânsito em julgado ou porque houve equiparação da Carta de Fiança e do Seguro Garantia ao depósito em dinheiro, ocasionará em graves prejuízos aos contribuintes que, mesmo que o seu recurso seja provido, em virtude do entendimento de ambas as Turmas da Primeira Seção do STJ em que não é possível a substituição do depósito em dinheiro (quando este é realizado antes) pelas garantias referidas, imporá  a tortuosa via do pagamento para posterior repetição.

Diante de todo o exposto, a liquidação da Carta de Fiança e do Seguro Garantia antes do trânsito em julgado dos Embargos à Execução Fiscal não é autorizada pelo legislador, uma vez que equiparada a dinheiro e terá efeito de fazer letra morta aos Art. 9º, II (possibilidade de oferecimento de Carta de Fiança ou Seguro Garantia), art. 15, caput e  II (em qualquer fase do processo o executado poderá postular a substituição da penhora por depósito em dinheiro, Carta de Fiança e Seguro Garantia) e 32, §2º (depósito e, tendo em vista a equiparação, liquidação das garantias somente após o trânsito em julgado), da Lei de Execução Fiscal, assim como ao disposto no Art. 805 (menor onerosidade) do Código de Processo Civil, transformando a Ação de Execução Fiscal em uma execução sumária, que prosseguirá ao arrepio dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa.

O Escritório Pimentel & Rohenkohl Advogados Associados se coloca à disposição para esclarecimentos sobre a matéria.

Kahuê Neves Viana

[i] Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

[ii] Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.

[iii] Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

(…)

IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

[iv] Trecho da Ementa do AgRg no REsp 1246326/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 22/06/2016

[v] Súmula 393 do STJ: A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.

[vi] Neste sentido: REsp 1508171/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 06/04/2015; AgRg no REsp 1534606/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 02/09/2015, entre outros.

[vii] REsp 1691748/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 17/11/2017.

[viii]  Nesse sentido: TRF 3ª Região, Sexta Turma, Agravo de Instrumento – 577274 – 0003780-64.2016.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal FÁBIO PRIETO, julgado em 16/11/2017, e-DJFe Judicial 1 DATA: 12/12/2017.

[ix] REsp 1033545/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 28/05/2009.

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