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05/03/2021

Maioria dos ministros do STF aprova sigilo de dados na repatriação

05/03/2021

Por Joice Bacelo

A primeira fase do programa, em 2016, teve a adesão de 25 mil pessoas físicas e 100 empresas, com arrecadação de R$ 46,8 bilhões

O Supremo Tribunal Federal (STF) atingiu, nesta manhã, a quantidade de votos necessária para garantir o sigilo das informações das pessoas que aderiram ao programa de repatriação — Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct). Dos sete ministros que se posicionaram até agora, seis votaram desta forma.

Esse julgamento ocorre no Plenário Virtual e tem previsão de se concluído até a meianoite. Os quatro ministros que ainda não votaram, no entanto, podem apresentar pedido de vista ou de destaque (o que deslocaria a discussão para julgamento presencial). Se isso acontecer, as discussões ficam suspensas o resultado final pendente.

O sigilo das informações era uma das “regras de ouro” do programa, dizem advogados que atuam para os contribuintes. Está previsto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 7º da Lei de Repatriação (nº 13.254, de 2016). Esses dispositivos proíbem a divulgação e o compartilhamento das informações dos contribuintes, inclusive com Estados, Distrito Federal e municípios, implicando efeito equivalente à quebra de sigilo fiscal.

Mudar as regras agora — com o prazo para adesão encerrado e as informações já declaradas pelos participantes —, afirmam os especialistas, poderia provocar uma “caça às bruxas”. As pessoas que aderiram ao programa ficariam expostas a novas cobranças e investigações, inclusive na esfera penal.

Brasileiros com dinheiro não declarado no exterior puderam regularizar a situação por meio do programa. Havia alguns requisitos: a origem do dinheiro tinha que ser lícita e o contribuinte deveria pagar 15% de imposto e 15% de multa sobre os valores declarados. Em troca, era liberado de responder por crimes como sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

A primeira fase, em 2016, teve a adesão de 25 mil pessoas físicas e 100 empresas, com arrecadação de R$ 46,8 bilhões. Já na segunda fase do programa, em 2017, aderiram 1.915 pessoas físicas e 20 empresas. A arrecadação foi de R$ 1,6 bilhão.

O julgamento sobre o sigilo das informações começou na sexta-feira passada. Os ministros discutem o tema por meio de uma ação ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) — a ADI 5729.

O PSB pede para que os dispositivos da Lei de Repatriação sejam declarados inconstitucionais. A intenção é de que a Receita Federal e o Banco Central possam compartilhar os dados declarados pelos participantes do programa com outros órgãos públicos de controle — Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Tribunal de Contas da União estão entre os exemplos citados pelo partido.

Contexto

Essa ação foi ajuizada no ano de 2017. Segundo o partido, surgiu a partir de uma denúncia dos auditores fiscais de que, por causa do sigilo, os documentos das pessoas e empresas que fizeram as adesões estavam sendo armazenados com o CNPJ da Receita Federal e não com o CPF ou o CNPJ do próprio contribuinte.

O PSB diz, no processo, que a Lei de Repatriação exige, no artigo 1º, que a origem dos recursos regularizados seja lícita, mas a blindagem conferida aos participantes do programam inviabilizaria qualquer investigação a respeito.

O partido cita pessoas que teriam usado o programa para regularizar recursos de origem ilícita. Entre eles, Renato Chebar, apontado como um dos doleiros nas investigações envolvendo o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Chebar teria afirmado, em delação premiada, que se utilizou do programa, em 2016, para declarar US$ 4,2 milhões decorrentes de propinas pagas por Eike Batista a Cabral.

Também menciona Márcio Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras. Segundo investigações da Operação Lava-Jato, ele teria aderido ao programa para regularizar cerca de R$ 48 milhões oriundos de propina.

Advogados que atuam para os contribuintes afirmam que o programa de repatriação nunca esteve completamente blindado. A lei prevê que as informações não podem ser compartilhadas, mas abre exceção para os casos em que há indícios de vícios na adesão, no que diz respeito à origem do dinheiro. As fiscalizações, nesses casos, já seriam permitidas.

Os especialistas chamam a atenção que esse tema, por muitos anos, esteve entre as prioridades de fiscalização da Receita Federal. No Plano Anual de Fiscalização de 2020 consta, por exemplo, que no ano anterior, 2019, 367 contribuintes haviam sido selecionados “com vistas à verificação dos requisitos para adesão e permanência” no programa.

Votos

O relator desse caso no STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirma sem seu voto, no entanto, que “não se pode confundir o real propósito da lei de repatriação, que não envolve produto de crime da corrupção, a partir do seu eventual mau uso por um ou outro criminoso”.

Ele diz que o programa prevê regras claras de exclusão em caso de apresentação de declarações ou documentos falsos e que se isso ocorrer o contribuinte perde todos os benefícios que haviam sido concedidos.

“Não identifico que o programa de repatriação de ativos por adesão voluntária signifique diminuição da transparência em termos de combate à lavagem de dinheiro e à corrupção. O país que utiliza estes programas, ao atrair de volta valores de pessoas que expatriaram recursos de maneira irregular, acaba contribuindo para uma postura mais eficiente contra a evasão de divisas”, Barroso destaca no voto.

O ministro afirma ainda que o programa de repatriação é “uma espécie de transição”, autorizada pelo Código Tributário Nacional, e que, nesse contexto, as regras especiais de sigilo são exemplos de garantia dada a quem optou por aderir. As “regras do jogo”, portanto, devem ser mantidas e observadas “a fim de assegurar a expectativa legítima do aderente e proporcionar segurança jurídica na transação”.

Os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Dias Toffoli acompanharam o entendimento do relator. Ricardo Lewandowski, por enquanto, é o único que diverge. O ministro entende que a vedação ao compartilhamento das informações é constitucional — assim como os demais colegas — mas, para ele, deve-se fazer ressalva em relação aos recursos de origem ilícita. Ele não explica, no voto, porém, como essa divisão ocorreria na prática.

Fonte: Valor Econômico

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