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14/04/2020

Empresas conseguem liberar dinheiro e depósitos judiciais

14/04/2020

Empresas começam a obter na Justiça, por causa da pandemia da covid-19, o direito de trocar dinheiro penhorado ou depósito judicial por seguro, fiança bancária ou outros bens em discussões com a Fazenda Nacional. Nas execuções fiscais, as empresas são obrigadas a garantir o pagamento ao Fisco em caso de derrota.

Há pelo menos três decisões de segunda instância favoráveis aos contribuintes. Uma delas do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo, e duas do TRF da 4ª Região, no sul do país – uma pela liberação de penhora, via Bacen Jud, sem que a empresa apresentasse garantia em troca.

“Essas decisões mitigam uma posição mais tradicional dos tribunais, que prevalecia antes da pandemia, de que o dinheiro precede a todas as garantias”, diz o advogado.

Há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), favorável à União, sobre o assunto. O entendimento dos ministros, firmado antes da crise do coronavírus, é o de que a Lei de Execuções Fiscais estabelece uma lista com a ordem de preferência das garantias, onde o dinheiro aparece em primeiro lugar. Por isso, até a situação gerada pela pandemia, eram raríssimas as decisões que permitiam às empresas fazer a substituição.

Nos processos, a Fazenda Nacional afirma que o levantamento de depósito só pode ser feito após decisão final do Judiciário. Além disso, desde 1998, com a edição da Lei nº 9.703, os valores dos depósitos judiciais passaram a ficar disponíveis para a União na Conta Única do Tesouro Nacional e são considerados como parte do orçamento.

“É preciso, então, equilibrar dois pratos nessa questão. Um deles é que esses depósitos estão contemplados no orçamento votado pelo Congresso e que está sendo executado e o outro é a necessidade das empresas de alimentarem o seu fluxo de caixa para, muitas vezes, conseguirem manter a atividade”, diz outro advogado.

Em uma das decisões que favorecem o contribuinte, o desembargador Cotrim Guimarães, da 2ª Turma do TRF da 3ª Região, destaca que “é público e notório que as empresas estão na iminência de sofrer grande dificuldade econômica diante da pandemia que se acelera entre nós, isso porque é presumível que terão perdas significavas de receitas e, em sentido contrário, aumento de despesas inesperadas para se manter, minimamente, em atividade”.

Ele aplicou o princípio da menor onerosidade, o dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que equipara dinheiro à fiança bancária e ao seguro garantia, e considerou também que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou a “possibilitar às empresas substituir os depósitos recursais e penhoras sobre dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia” (processo nº 5003034-09.2019.4.03.0000).

No dia 27 de março, em meio à situação gerada pelo coronavírus, os conselheiros do CNJ se manifestaram sobre o tema ao julgarem uma resolução do Conselho Superior da Justiça do Trabalho que dificultava o uso desses instrumentos nos processos judiciais. Eles consideraram que tal previsão é ilegal porque o CPC – como afirma o desembargador do TRF da 3ª Região – equipara o seguro a outras formas de garantia.

“A reconsideração se mostrou razoável no sentido de ser uma permissão em caráter excepcional”, afirma o advogado que representa a empresa no TRF. “Além disso, o seguro oferecido garante o pagamento do valor em discussão e um acréscimo de 30%, conforme exigência da PGF”, acrescenta. Por meio da Portaria nº 440, de 2016, a Procuradoria Geral Federal (PGF) impõe requisitos para a troca de garantia em execução fiscal da União. A Fazenda já recorreu.

A decisão do CNJ vem servindo como impulso para que as empresas apresentem os pedidos ao Judiciário. E as solicitações têm sido até mais ousadas. Por exemplo, para que a dívida passe a ser garantida por bem imóvel ou mesmo para que não haja nenhuma garantia.

Já há decisões do TRF da 4ª Região também nesse sentido. Em uma delas, o desembargador atendeu pedido de uma empresa do interior do Paraná, a Comercial Matelândia, que atua no comércio de equipamentos e produtos para a construção, para liberar valores penhorados via Bacen Jud, e em troca apresentar um imóvel como garantia à execução fiscal.

Ao julgar o caso, o desembargador Alexandre Rossato da Silva Ávila também levou em conta a crise gerada pela pandemia. “Diante deste contexto de grave crise social e econômica, impõe-se a flexibilização da uniformidade da jurisprudência, conferindo à proteção da confiança e à segurança jurídica interpretação que  pondere os interesses do devedor e os da Fazenda Pública”, afirma na decisão (processo nº 5012221-77.2020.4.04.0000).

Em uma outra decisão do TRF da 4ª Região, também sobre valores bloqueados via Bacen Jud, a Hidrautini, empresa de automação hidráulica do Rio Grande do Sul, conseguiu a liberação dos valores sem oferecer nada em troca (processo nº 5012 975-19.2020.4.04.0000).

O desembargador Francisco Donizete Gomes levou em conta a dificuldade de operacionalização do seguro e da fiança “em meio à pandemia que assola o país”. “Com isso não se quer dizer que a execução não terá prosseguimento, com a busca de bens para saldar a dívida fiscal que titulariza a executada, mas sim que, levando-se em consideração os interesses das partes, e restando comprovado que as verbas desbloqueadas são dirigidas ao pagamento de salários, sobrepõe-se o princípio da menor onerosidade”, frisa na decisão.

O advogado chama a atenção, no entanto, que os magistrados têm levado em conta as situações específicas de cada contribuinte. “O Judiciário está cada vez mais refratário em conceder decisões que sejam uma carta branca para todos”, diz.

Já outra advogada alerta que é mais difícil obter a liberação de valores em depósito judicial do que os penhorados. “No depósito, o dinheiro é receita pública porque está na conta do Tesouro”, afirma. Outro desafio, segundo ela, é concretizar a liberação dos depósitos porque não há mais acesso a alvarás físicos. “Deveria haver uma mudança de regra dos bancos para agilizar isso on-line.”

Por meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz que “o esforço da União Federal no combate à pandemia, e os custos decorrentes dessa empreitada, não justificam que se defira a pretensão do contribuinte, nada obstante as noticiadas dificuldades econômicas pelas quais passam as empresas”.

O órgão também contesta o uso da recente orientação do CNJ sobre o uso do seguro garantia e da fiança bancária em substituição ao depósito recursal. Argumenta que a medida é válida especificamente para a execução trabalhista. “Os depósitos recursais vinculados à Justiça do Trabalho não se submetem ao rito da Lei 9.703, de modo que permanecem imobilizados em conta vinculada ao juízo e corrigida pela poupança”, diz a nota.

Fonte: Valor Econômico

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