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15/10/2021

Não incidência de ICMS nas transferências: O crédito acompanha a mercadoria?

15/10/2021

No início desta semana, foi disponibilizada a minuta de voto do Min. Roberto Barroso no julgamento dos embargos de declaração na ADC nº 49/RN, que está ocorrendo sob a sistemática do Plenário Virtual. O recurso movido pelo Estado do Rio Grande do Norte em face da decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar nº 87/96 – ratificando o entendimento de que não incide ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte – visa, fundamentalmente, à atribuição de modulação de efeitos ao acórdão, além do esclarecimento sobre questões práticas decorrentes da decisão da Suprema Corte.

Segundo argumenta a Governadora do Estado do RN, seria necessário “conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos artigos da Lei Kandir, de forma a resguardar a validade de todas as operações realizadas e não contestadas judicialmente à data do julgamento da ADC”. Sustenta que os Estados precisam discutir e uniformizar a interpretação para fins de aplicação da legislação pertinente, notadamente diante do que denomina de “profunda modificação” na sistemática de apuração do ICMS a partir dessa decisão do STF.

De fato, muito embora haja, já há muitos anos, sólido entendimento jurisprudencial no sentido da não tributação das transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte pelo ICMS – a Súmula 166 do STJ é de agosto de 1996, anterior à própria LC nº 87/96 –, os dispositivos da Lei Kandir que previam essa movimentação de mercadorias como fato gerador do tributo não haviam sido expressamente declarados inconstitucionais, senão até o julgamento da ADC 49/RN. Disso decorre que tais normas permaneciam válidas no ordenamento jurídico brasileiro e, assim, os Estados seguiram exigindo o tributo, prevendo a incidência em suas legislações internas.

No voto do Min. Roberto Barroso (confira a íntegra aqui), ele acompanha o Min. Rel. Edson Fachin pela fixação da modulação, de modo a que a decisão passe a surtir efeitos a partir do exercício financeiro de 2022, visando manter “intactas algumas situações já constituídas” até então. Busca-se, com isso, resguardar os Entes Federados de terem exigidos de si repetições de indébitos sobre todas as operações dessa natureza que tenham sido tributadas nos últimos cinco anos, mas também resguardar os contribuintes que porventura tenham se planejado com base na premissa da incidência e que possam, inclusive, ter fruído de benefícios fiscais que tenham por base saídas tributadas – dentre elas, saídas para outros estabelecimentos de sua titularidade. O Min. Barroso, todavia, divergiu parcialmente do Relator, para sugerir que sejam expressamente ressalvados da modulação os processos administrativos ou judiciais em trâmite acerca da matéria – ou seja, para esses casos, a declaração da invalidade da incidência do tributo vale desde logo.

De fato, o reconhecimento da inconstitucionalidade no âmbito da ADC 49/RN traz impactos relevantes para a sistemática de apuração do ICMS. Um desses impactos é questão do crédito. É que, da forma como a legislação previa a operação de transferência, quando uma mercadoria era remetida do Estado ‘A’ para o Estado ‘B’, o contribuinte pagava o ICMS para o Estado ‘A’ e se creditava desse imposto no Estado ‘B’, quando da entrada da mercadoria no estabelecimento de destino. Logo, o crédito era transferido junto com a mercadoria. Como agora não haverá tributação quando da saída no Estado ‘A’, surgiu a dúvida sobre como ficará o crédito – se permanecerá no estabelecimento do Estado ‘A’ ou se poderá ser transferido para o Estado ‘B’.

Para o Min. Barroso, um dos objetivos da modulação de efeitos será o de permitir que os Estados regulamentem essa questão. No seu entendimento, é imperioso que seja possível essa transferência, para que se respeite a não-cumulatividade do ICMS ao longo da cadeia econômica. Assim, a sua proposta de modulação é de que, “exaurido o prazo [até o final de 2021] sem que os Estados disciplinem a transferência dos créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo titular, os sujeitos passivos [terão] o direito de transferir tais créditos”. Como isso ocorreria sem regulamentação ainda não se sabe ao certo.

Essa e outras questões decorrentes da decisão do STF na ADC 49/RN serão examinadas em detalhe pelo Escritório no Webinar que será realizado no próximo dia 21 de outubro, às 17h30min (confira a página do evento e faça sua inscrição aqui). A transferência de créditos será um dos tópicos debatidos, tratando-se de aspecto que influencia diretamente nos planejamentos tributários – inclusive com possíveis reflexos logísticos – dos contribuintes.

Luis Carlos Fay Manfra

OAB/RS 103.342

Advogado na Pimentel & Rohenkohl Advogados

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